O advento da covid-19 e suas consequências jurídicas no âmbito das pesquisas em seres humanos
O trabalho original do presente livro não contava com qualquer estudo relacionado ao vírus Sars-Cov-2, causador da doença denominada covid-19. Isto porque, apresentado em forma de dissertação de Mestrado em dezembro de 2019, ainda inexistia qualquer consequência grave da doença, até então desconhecida.
Em seguida, passou-se a noticiar o aparecimento do vírus, primeiramente na China, na sequência Europa – momento em que já havia o reconhecimento pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que se tratava de uma pandemia – e pelas Américas. Por isso, por meio da Portaria MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, o Ministro de Estado da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da infecção Humana pelo Novo Coronavírus, registrado no Brasil pela primeira vez em 26 de fevereiro de 2020, a partir de um paciente que viajara à Itália.
Após, por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020, o Presidente da República solicitou e o Congresso Nacional decretou a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até o final daquele ano, devido ao estado pandêmico e a disseminação do vírus em todo o território nacional.
Seguiram-se decretos estaduais e municipais, que passaram a adotar medida de quarentena, consistente na restrição de atividades econômicas e circulação de pessoas, de maneira a buscar evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus.
Como se sabe, o vírus se disseminou rapidamente em todo o mundo e fez com que a comunidade científica passasse a estudar seu comportamento, composição genética, entre outras medidas para combater a doença causada pelo Sars-Cov-2.
Não faltaram ainda estudos científicos que testaram a resposta viral a medicamentos existentes, que inclusive geraram grande comoção no meio científico, pela aparente ineficácia dos mesmos frente ao vírus.
Um deles, aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sob a numeração CAEE 3050422.5.0000.0005, integrado por médicos brasileiros e estrangeiros, testou dosagem alta de cloroquina em pacientes em estado grave, internados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Estruturado como estudo de fase II, focou na análise de diferentes dosagens e na segurança dos pacientes participantes da pesquisa. Foram analisados 81 (oitenta e um) pacientes internados no Hospital Delphina Aziz, referência para Covid-19 no Estado do Amazonas.
Os pacientes foram separados em dois grupos e cada um deles recebeu dosagens distintas de cloroquina, segundo análise realizada pela Fiocruz. O primeiro recebeu uma dose alta (600mg, duas vezes ao dia, por dez dias); o segundo grupo recebeu, por sua vez, 450mg, duas vezes ao dia no primeiro dia, e uma vez ao dia por mais quatro dias. Ambos foram acompanhados por 28 (vinte e oito) dias após o início do experimento.
O resultado apontou que os pacientes em estado grave não deveriam receber o tratamento, já que as mortes se mantiveram em patamar próximo à média mundial. Mais do que isso, o estudo descobriu que a alta dosagem, que inclusive era utilizada na China e que baseou a alta dosagem do estudo amazonense, mata mais pacientes. Por isso, e seguindo as matrizes éticas já estudadas, o estudo teve que ser interrompido antecipadamente.
Por óbvio, a comunidade científica continuou, ao longo do ano 2020 e durante 2021, a buscar por medicamentos que pudessem amenizar ou ao menos evitar mortes decorrentes da doença causada pelo coronavírus. Em nosso país, a ANVISA passou a analisar e a aprovar a autorização temporária de uso emergencial (AUE), em caráter experimental de alguns medicamentos.
No entanto, são as vacinas que têm ganhado grande destaque e adesão do público nacional para o combate à Covid-19. Afora as discussões sobre a rapidez com que foram lançadas ao mercado – por volta de 12 (doze) meses após o início da pandemia já existiam algumas vacinas disponíveis para aplicação no mundo – todas aquelas aprovadas para uso emergencial ou com registro definitivo pela ANVISA no Brasil foram amplamente testadas e, até este momento, têm se mostrado eficazes, com poucas intercorrências.
É de se comemorar a condução das produtoras das vacinas aprovadas no Brasil e dos órgãos reguladores durante as fases de testes em território nacional. Olvidada a disputa política que envolveu o Governo do Estado de São Paulo e do Governo Federal na produção e distribuição das vacinas, deve-se ressaltar a transparência dos estudos apresentados e as ações de todas as partes não políticas no desenvolvimento das pesquisas.
Isso porque, como se sabe, sempre que se soube de intercorrências, não houve demora para que os estudos fossem suspensos, até que se entendessem os motivos para que tivessem acontecido, seguindo a normativa ética da resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde aplicável, abaixo transcrita:
V.3 - O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conseqüente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.
V.4 - O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo.
Atualmente foram aplicadas milhões de doses de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan (em parceria com o laboratório chinês SINOVAC), pela FIOCRUZ (que produz no Brasil a vacina criada pela Universidade de Oxford juntamente com a farmacêutica AstraZeneca), além das vacinas importadas das empresas Pfizer/Biontech e Johnson&Johnson, que fabrica a vacina por meio de sua farmacêutica Janssen.
O Brasil é hoje o segundo país em números absolutos de mortes e o terceiro em quantidade de casos registrados da Covid-19, ficando atrás somente dos Estados Unidos no primeiro caso e também do país norte-americano e da Índia no segundo, conforme demonstra o site oficial da OMS (https://covid19.who.int/).
Por outro lado, é o quarto país que mais vacinou seus cidadãos, atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos, de acordo com o mesmo sítio da internet da OMS.
Em conclusão, é de se perceber que, do ponto de vista ético médico e com as informações que temos até hoje, os estudos autorizados para acontecerem no Brasil e aqui analisados seguiram as matrizes normativas, de forma que visaram sempre beneficiar os participantes e a sociedade em geral no combate à essa nova doença, não cabendo a este estudo esmiuçar acerca dos motivos que levaram a tantos casos e mortes em território nacional, que abrangem questões políticas, sociológicas, geoeconômicas, entre outras.